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Um ensaio sobre a liberdade: Os dilemas do Jean Valjean brasileiro

“Um ensaio sobre a liberdade: Os dilemas do Jean Valjean brasileiro”, foi esse o título que me veio à mente em uma madrugada e foi com ele que batizei meu artigo, de Sociologia e Antropologia Jurídica, sobre a ineficácia da ressocialização dos egressos do Sistema Penal Contemporâneo.
Senti que faltava algo para finalizar o texto, foi quando consegui relacionar o tema com as desventuras de Jean Valjean, protagonista do romance, de autoria do francês Victor Hugo, “Os Miseráveis”.

Valjean, depois de libertado, é recusado em hospedarias e demais lugares. Assim como no enredo do livro, nossa sociedade também não está preparada para receber as pessoas que, de fato, erraram ao cometerem crimes (em sua maioria “furtos famélicos”), mas que já cumpriram as penas e estão dispostas a escrever uma nova história para suas vidas. Esperam apenas pela chance da página em branco.
Como no caso de nosso personagem que furtou comida e cumpriu 19 anos de prisão – pena totalmente desproporcional, inclusive, caso nos valhamos do Princípio da Insignificância – encontramos milhares de brasileiros passando pelas mesmas agruras. A partir de tal questão, devemos refletir: até aonde vai o preconceito? O peso do estigma que esses egressos acabam carregando, por toda existência, ultrapassa as penas e se estende para além do cárcere.
O documentário “Bagatela” deixa tal cenário miserável muito nítido. Segundo Marcelo Semer, do blog “Sem Juízo”, o curta-metragem retrata o drama de mulheres presas por pequenos furtos e escancara a seletividade do Direito Penal. Marcelo acrescenta: “O documentário não julga, mas traz uma preciosa contribuição para quem tem essa tarefa. Descreve quem são, como vivem e o que pensam algumas das destinatárias das decisões judiciais. As entrevistas contam mais do que os processos conseguem revelar e resgatam o sentido humano que não se alcança facilmente em um julgamento. Apesar de tratar de situações sempre dramáticas, o filme mergulha de forma delicada nas intimidades das detentas.” O texto, de Milton Julio de Carvalho Filho, intitulado “Te prepara pra sair”, torna isso evidente.
Outro artigo interessante que transmite mais o viés psicológico de como o ex-presidiário vê a si próprio de forma marginalizada e depreciativa é a obra “Depois das Grades: um Reflexo da Cultura Prisional em Indivíduos Libertos”, de Mariana Leonesy da Silveira Barreto.
Esses densos materiais, juntamente com os relatos de diferentes momentos da trajetória de um presidiário brasileiro, registrado por Felipe Athayde Lins de Melo, chamado “Quando dentro se mistura ao fora – Etnografia de Diego pelo mundo da Prisão”, contribuíram para que meu entendimento sobre o assunto fosse esclarecido e a conclusão fosse inevitável através do estudo de caso: o Sistema Penal, além de falido, só estimula nossos “Jeans” à reincidência dos crimes.
As penas, culminam, portanto, em um ciclo vicioso e certos detentos preferem até permanecer no arcabouço jurídico deplorável, abrindo mão da própria liberdade a favor da sobrevivência e em temor aos prováveis rótulos que o cenário atual os impõe.
Por fim, os apontamentos de Cesare Beccaria realizados há séculos, são rememorados. O triste é constatar que de lá para cá, as mudanças do instrumento punitivo foram insignificantes. Contudo, há sempre uma luz no fim do túnel e acredito que essa luz não seja o “nascimento quadrado” do Sol, talvez essa luz seja o trabalho aliado entre o Direito, a Sociologia e a Psicologia. Porque somente essas ciências, trabalhando conjuntamente, podem reverter esse quadro gritante em que se encontra o sistema e recuperar a dignidade da pessoa humana – bonita na lei. Porém, ausente na prática.
Fiquei satisfeita com a experiência desse trabalho, acredito que tenha agregado bastante, escrever a respeito propiciou-me “passear” além dos meus livros de Penal e matérias de prova. O tema, ao meu ver, é recomendadíssimo a todos os públicos em combate à animalização do ser humano, à conscientização da sociedade em termos gerais.
Assuntos como esse não podem de jeito algum, permanecer restritos à sala de aula.
Caroline Gaertner

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